sexta-feira, 29 de abril de 2011

Só mais um...

É impossivel ler apenas um poema de Fernando Pessoa. Vai um trecho de outro.

    Sou Eu
                                                   Álvaro de Campos

 Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo, 
 Espécie de acessório ou sobressalente próprio, 
 Arredores irregulares da minha emoção sincera, 
 Sou eu aqui em mim, sou eu. 
 Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou. 
 Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
 Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.

 E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente,
 Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
 De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
 Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.

 E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua, 
 Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda, 
 De haver melhor em mim do que eu.

 Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa, 
 Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores, 
 De haver falhado tudo como tropeçar no capacho, 
 De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas, 
 De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida. 

(..)
 Baste, sim baste!  Sou eu mesmo, o trocado,
 O emissário sem carta nem credenciais,
 O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
 A quem tinem as campainhas da cabeça
 Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.

 Sou eu mesmo, a charada sincopada
 Que ninguém da roda decifra nos serões de província.

 Sou eu mesmo, que remédio!  ...


Fonte Jornal de Poesia

Nenhum comentário:

Postar um comentário