sábado, 7 de maio de 2011

Bendita és tu....


Senhor, me ajude a nunca desistir de ser mulher. 
Coloque um espelho no meio do meu caminho entre a lavanderia, 
o supermercado, o sapateiro, o colégio e a locadora. 
E que, ao me olhar, eu goste do que veja. 
Não deixe que eu passe uma semana sem usar um batom bem vermelho, 
uma bota bem alta ou um jeans bem justo. Proteja meus cachos do vento
e os brincos e anéis dos olhares invejosos. Nunca deixe faltar na minha 
vida comédias românticas e boas depiladoras. 
Deixe que eu fecho os registros e as janelas.
Mas, por favor, abra algumas portas. Nem que seja a do carro. 
Se eu estiver com vontade de chorar, faça com que eu chore um dilúvio. 
E que tenha saído de casa sem pintar o olho. 
Para cada dia de TPM, me dê uma vitrine com sapatos lindos. 
Já que eu nunca pedi milagres, faça que minhas celulites sejam ao menos discretinhas. 
Me dê saúde, tempo livre, silêncio. E que nunca falte O.B. na minha bolsa. 
Nos engarrafamentos, faça com que eu ligue o rádio e esteja tocando minha música preferida. 
E que eu lembre da letra para cantar. Dê forças para eu insistir que meus filhos comam salada, 
digam "por favor" e "obrigado", limpem a boca no guardanapo, 
façam as pazes e puxem a descarga.
Cegue meus olhos para as sujeiras nos cantos e os brinquedos no meio da sala
- eles vão estar sempre lá, isso eu já vi. Ajude para que eu chegue do trabalho e ainda 
consiga brincar, ver desenho, contar história, fazer cosquinha, pintar dentro da linha preta.
Ou fazer só uma dessas coisas. E se eu não tiver a menor condição de me manter em pé,
faça com que meu filho chegue dormindo da escola.
Em dias difíceis, me dê persistência para seguir na dieta. 
Faça com que eu não esqueça de ligar para os meus pais e meus amigos. 
Dê firmeza para os seios e para a hora do castigo. Ajude para que o meu trabalho 
não seja bom somente no dia do pagamento. Proteja minhas poucas horas de sono
e não me julgue mal caso eu não acorde no meio da noite para cobrir meus filhos. 
Não deixe que a minha testa fique tão franzida a ponto de parecer uma saia plissada. 
E eu, uma louca estressada. Faça com que o sol seja meu personal trainer, 
meu complexo de vitaminas, meu carregador de bateria
- mas quando eu pedir um diazinho de chuva, não pergunte por quê.
Para cada batata quente no trabalho, me dê um café recém-passado. 
No meio de tudo isso, faça com que eu ache tempo para virar namorada de novo,
ir no cinema, jantar fora, beijar na boca, dormir abraçadinha. 
Ilumine o espelho do banheiro e proteja minhas pinças, meus cremes e segredos. 
Ajude a não faltar gasolina, não furar o pneu, não arranhar a calota. 
Afaste os motoqueiros do meu retrovisor. 
Senhor, por pior que seja o meu dia, faça com que ele termine, e não eu.

FELIZ DIA DAS MÃES, queridas amigas!

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Só mais um...

É impossivel ler apenas um poema de Fernando Pessoa. Vai um trecho de outro.

    Sou Eu
                                                   Álvaro de Campos

 Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo, 
 Espécie de acessório ou sobressalente próprio, 
 Arredores irregulares da minha emoção sincera, 
 Sou eu aqui em mim, sou eu. 
 Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou. 
 Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
 Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.

 E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente,
 Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
 De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
 Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.

 E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua, 
 Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda, 
 De haver melhor em mim do que eu.

 Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa, 
 Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores, 
 De haver falhado tudo como tropeçar no capacho, 
 De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas, 
 De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida. 

(..)
 Baste, sim baste!  Sou eu mesmo, o trocado,
 O emissário sem carta nem credenciais,
 O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
 A quem tinem as campainhas da cabeça
 Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.

 Sou eu mesmo, a charada sincopada
 Que ninguém da roda decifra nos serões de província.

 Sou eu mesmo, que remédio!  ...


Fonte Jornal de Poesia

Hoje estou Fernando Pessoa

Oi,

Hoje estou meio Fernando Pessoa.., vou deixar ele falar por mim.





Começo a conhecer-me. Não existo.
 Álvaro de Campos

Começo a conhecer-me. Não existo. 
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,  
ou metade desse intervalo, porque também há vida ... 
Sou isso, enfim ...  
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor. 
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.  
É um universo barato.